sexta-feira, 29 de abril de 2011

Nietzsche e Platão

Nota: este post se baseia num comentário do livro do Juliano Garcia Pessanha, Instabilidade perpétua.

Nos Outros capítulos se tinha uma rede de problemas unificados por um tema central donde se poderiam resolvê-los. Nesse daqui ele me dá uma canja e coloca o problema central em evidência sem muitos outros problemas satélites. Muito embora o número de metáforas esclarecedoras aumente sensivelmente.

O problema central dessa vez é o da rigidez moral. Por rigidez moral quero dizer algo como a pré-determinação de um código moral para casos específicos. Eu, aqui concordo com o Nietzsche e o JP. É verdadeiramente um sinal de decadência.

Embora discorde dos termos usados em certos trechos, concordo que não se pode "nomear antecipadamente a virtude" e que ela vem de fora. Só uma coisa me deixou intrigado: Ele aplicou esse princípio na doença do Nietzsche(pra quem não sabe era o excesso de dor de cabeça que chamamos de enxaqueca). Agora, porque ele não aplicou o princípio na loucura de Nietzsche?

A resposta talvez esteja na própria filosofia dele que segunto Juliano Pessanha se divide em duas partes: 1- Negativa: crítica à cultura; e 2- Positiva: construtiva de criação de novos valores. Mas o que especificamente está em cada uma das partes? Na parte negativa há a critica do Platonismo que ele diz ser a base de nossa cultura a ponto de dizer que o cristianismo é um platonismo para o povo. Todavia, examinemos de modo técnico o modo de desconstrução do professor alemão de filologia:

1- Essa conjugação de "arte, pensamento e saber" não cessa de forma alguma em Sócrates, Platão e Aristóteles. Principalmente em Platão, estou lendo toda a arte literária grega só para entender ele. Aliás, nem em Aristóteles sendo que perderam toda a obra literária dele. Segundo Reale, eles são sintetizadores e o fulcro da cultura grega. Ademais, carimbar apolíneo na testa de Platão chega ser até desonesto. Os Gregos tinham uma imagem de Platão meio homem meio Dionísio. Para Platão filósofo é quem é trágico e comediógrafo ao mesmo tempo.

3- Nietzsche aumenta muito. Santificar tudo antes de Sócrates e demonizar a filosofia postrior é achar que Platão criou uma cultura e não fez parte dela.

4- O homem de antes não tinha cabeça dividida e o de hoje tem. Nada mais falso. Os filósofos pré-socráticos podem ser entendidos como monges que só queriam saber do céu tanto que eram chamados meteorólogos. Se lembra do conto da Trácia em que uma escrava ri de Tales de mileto quando ele cai no buraco ou na peça as nuvens de aristófanes quando este representa um sócrates naturalista(pré-socrático rsrs). A coisa muda com Sócrates quando pensa que todo conhecimento serve para praticar a ação justa.

5- "Platão matou a pluralidade o devir": Meu Deus! Ele não vê que tudo desde o começo foi um processo? Todos os pré-socráticos tentaram explicar o devir por meio de sua redução a uma causa única seja, a água, os 4 elementos, o ar etc...

6- Também é erro crasso achar que Platão matou o mito. Ele só criou novos. Já dizia o Aristóteles: O filósofo é também um amante do mito. Não posso explicar aqui os pormenores mas recomendo a leitura de Eric Voegelin - Platão e Aristóteles

Podemos perceber que a crítica à Platão de Nietzsche não tem fundamento objetivo algum. Passemos à parte construtiva, ou afirmativa de nosso filósofo. Sobre a questão moral podemos sem medo de mudança muito considerável nos apoiar em Genealogia da moral que aliás Pessanha se baseia.É no fundo uma moral naturalista o que Nietzsche propõe: Sabendo que a palavra "Aristos" que do grego significa melhor e que existe uma classe que se define por esse nome(Aristocratas), supôs que os valores destes eram chamados bons que hoje chamamos de prepotencia, falta de ética, mesquinharia etc. No entanto com a subida de vida dos escravos e servos esses, amargurados e ressentidos com a antiga casta poderosa, inverteram os sentidos das palavras para o que chamamos de valores éticos. Então ele propõe um retorno aos valores naturais, pois são impostos pela natureza, da lei do mais forte, donde aliás o nome vontade de potência.

Historicamente não sobra dúvida da vacuidade da tese. Para tanto recomendo um dos clássicos da história e filosofia: Giambattista Vico "Princípios de uma nova ciência". Mas nem isso foi necessário, o próprio Platão dá conta do assunto. Podemos ver Nitzsche como um personagem de Platão no diálogo "Górgias", ele é Cálicles - nobre ateniense na peça. Entre os muitos argumentos elencados por Platão se encontra o do caso de os mais fracos se unirem como ficaria o mais forte? Semelhante caso se deu quando a França de Napoleão caiu pela união de uns simples monarcas no estilo antigo ou no caso dos nazistas serem destruidos por esse "lixo genético" da Rússia. Imagino o pavor dos nobres só de imaginar isso.

Agora, há uma consequencia mais profunda eludida por Platão e que responderá a questão. Eu postei quando você me perguntou da filosofia platônica e repito aqui: "A alma é composta por 4 virtudes: Temperança, Coragem, Sabedoria e Justiça. A temperança, coragem e sabedoria são como que partes constitutivas e a Justiça é a força externa que dá coerência ao todo. Normalmente se você comete uma injustiça(dar um soco em alguem) a justiça externa vem(dão um soco em você). Mas e se você não receber o soco de volta? Sua alma perde a coesão e quando você morrer você perde o "eu" e não porque ele se uniu ao todo(que é o ideal) mas o "eu" se dispersou ficando na terra. Então por isso Sócrates dizia que é melhor sofrer do que praticar injustiça e ele morreu por isso." suspeito que foi isso que ocasionou a loucura de Nietzsche, a perda de coesão da alma.

Mas e a percepção original do cara? Quer dizer que vivemos num mundo bipolar entre a rigidez moral e a loucura? De modo algum. É como eu postei no meu perfil do orkut: "A virtude não é de ninguém, nem o sucesso." (recomendo que leia o resto). Simplesmente desconhecemos a aplicação particular da moral. Sabemos regras gerais do que é bom e do que é mau e elas são verdadeiras, ao contrário do que Nietzsche diz, só sabemos uma fórmula geral e não como aplicar ela. Desejar fixar uma fórmula geral para todos os casos particulares é cair no erro da rigidez moral(e morte) e negar que elas existam é o erro da loucura. Por isso que é necessário certa sensibilidade para viver(recomendo para esse caso a leitura do magnífico romance de Mark Twain "As aventuras de Huckleberry Finn").

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Os Dois Julgamentos

No Górgias de Platão é geralmente apontado como o ponto alto da obra o julgamento dos filhos de Zeus. Mas esse não é o único julgamento do diálogo. Logo no começo Sócrates fala de outro julgamento: o das crianças.

Para quem não leu ou não lembra é sobre um médico e um cozinheiro sendo julgados por crianças que por fim condenam o médico. Na primeira vez que li achei a coisa mais fofa do mundo. Imaginei um monte de bebês num tribunal com o manto preto e peruca branca se divertindo a valer ou chorando porque fez pipi na fralda, digo, naquele manto preto.

Em seguida a coisa mudou de figura em minha mente. Vejo o autoritarismo, o olhar satírico, gracejos e sorrisos sarcasticos, o médico se defendendo em desespero e o prazer de todos quando da condenação deste. Talvez fauno(ou sátiro) seja a designação correta, ele tem cauda e orelhas de burro e está sempre de falo ereto sempre buscando satisfazer seus desejos.

Todos os símbolos podem ter as mais diversas interpretações. A criança pode ter um caráter angelical por sua pureza e inocência. "Quem não se fizer como criança não entrará no reino dos céus" disse Jesus aludindo a a essa interpretação. Assim a criança tem, como símbolo, caráter duplo, o anjo e o sátiro.

Mas o que Platão queria mostrar não é o caráter das crianças mas sim o dos adultos. Certa feita, conversando com um colega estrangeiro, ele riu quando chamei os vândalos de crianças crescidas. Ele achou um belo lance de humor involuntário, "que tipo estranho é esse?", ele deve ter pensado. Mais ao falar de alguém do nosso círculo de amizades ele, depois de muito pensar, caracterizou o rapaz como uma criança, ao que completei: uma criança crescida. Dessa vez ele ficou em silêncio. O tipo satírico é, talvez, o tipo mais comum de degradação e o mais fácil de se ver. No "retrato de Dorian Gray" esse é o adjetivo dado ao retrato do belo rapaz em certa altura da hitstória.

Em justaposição à isso se encontra o julgamento dos filhos de Zeus. Os juízes são os três filhos de Zeus que morreram devido a uma injustiça e se dá depois da morte para que não haja erro.

Em todo o caso, os dois julgamentos sempre estão presentes. Sócrates foi julgado por Atenas e Atenas foi julgada por Sócrates. A filosofia sobreviveu ao julgamento das crianças, mas Atenas não sobreviveu ao julgamento dos filhos de Zeus.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Educação e Propaganda

Embora não pareça à primeira vista, este é um campo altamente controverso e sua compreensão trará à luz, como veremos, um tema inusitado.

O texto que inspirou este post se encontra na obra prima de Chaim Perelman "O novo tratado da argumentação". No livro, Perelman dedica um capítulo sobre a questão da diferença entre educação e propaganda à guisa de aplicação de sua teoria da argumentação. Uma das notas diferenciadoras entre os dois é o prestigio social do educador em seu meio(um pastor para o evangélico, um general para os militares etc..). Mas isso não é suficiente, diz ele, pois embora educador e propagandista sejam retores(retórico é o estudioso da retórica), o educador utiliza um tipo especial de retórica, a saber, o discurso epidíctico do vocabulário Aristotélico.

Nele, o retor tenta aumentar o grau de persuasão de uma tese já aceita pela sociedade a que o público pertence sendo requerido prestígio social, pois a tese deve aceita "quia magister dixit". Ademais, há a necessidade não só de inocular os valores nos que acabaram de entrar na sociedade como também de incutir força nas convicções já aceitas por ela para gerar ações, pois como é sabido, a persuasão retórica visa à ações.

Tem função retórica epidíctica os dias cívicos, paradas militares, ritos religiosos, e a educação strictu sensu de nossas escolas etc, (percepção similar aliás a que Platão bota na boca de Protágoras em diálogo homônimo) e são retores e educadores os representantes e atores dos atos acima. São propaganda a pregação cristão em países não cristãos e vice-versa, e doutrinação ateísta em escolas cristãs e vice-versa etc. É cada um no seu quadrado.

Nada contra a propaganda, desse modo exposta. é até saudável para implementar melhorias nas crenças de ambos os lados. O problema é, evidentemente, quando o propagandista posa de educador do grupo alheio. Mas deixemos isso de lado.

Contudo, a resposta de Perelman ainda me parece incompleta. Usemos mais uma vez o bom e velho Aristóteles: quais seriam as quatro causas da educação?

É necessário que haja o educador e o educado, sendo preciso algo que os ligue, i.e., o prestígio social aludido em parágrafo anterior e que será a causa material. A formal é o discurso epidíctico de Aristóteles e ampliado por Perelman até adquirir as mil facetas acima descritas. Até aí tudo bem, mas e as outras duas?

Sabemos também que a forma ou idéia é uma constante de proporcionalidade disposta por uma intenção finalística. A intenção finalística é a causa eficiente. Podemos perguntar quem estrutura e cria o cargo de educador ou professor dando a ele prestigio e os meios de discurso no sentido de Perelman? A sociedade, claro. Toda sociedade que alcança certo nível de civilização cria meios próprios de educação.

Falta ainda o fim da "intenção finalística", a contraparte da causa eficiente que é a causa final. Mas qual será ela?

Um estudo sobre isso está na "República" de Platão. Não nos deteremos nos detalhes mas saibamos logo que para que a sociedade exista e não seja um bando é necessário que haja a incorporação da idéia de Bem(v. A decisão do Bem). E é o que vemos documentado na história que todo povo em algum momento tem um contato com o divino e a cultura, sociedade, costumes, instituições, religião, arte, filosofia e, em suma todo o universo humano servem para salva-guardar a lembrança desses momentos.

Chegamos a definição de educador: é aquele que alcança ou conserva a idéia de Bem transmitindo a outros de modo a construir ou manter a sociedade, por vias discursivas e linguísticas criadas por ele ou por outros, em condições sociais criadas ou pré-existentes.

Assim podemos ver que o verdadeiro problema que é o da conservação e corrupção da sociedade. Sobre nós ainda pesa o problema da acusação de Socrates: "acusado de corromper os jovens da pólis". Mesmo com a definição em mãos é difícil diferenciar o joio do trigo no caso real. Ou melhor, é impossível se se tentar usar critérios não valorativos como os de Perelman.

Fui perguntado numa discussão com um professor universitário de filosofia o porque de minha dura crítica a filósofos do seu gosto e que isto não poderia ser usado sendo sempre necessária a resposta polida. Respondi-lhe com citações de Homero, Platão, Jesus Cristo e os profetas mostrando que a crítica ríspida DEVE ser usada em certas ocasiões e era o que estava fazendo. Ele disse que isso estava fora das tradições, mas eu perguntei, ao que ele não teve resposta, a que tradições ele se referia. Logo a diferenciação é simples desde que se tenha uma educação liberal e se conheça bem os clássicos.

Percebamos também a insuficiência da definição de Perelman em que o educador exprime "teses já aceitas pelo público e pela sociedade", pois, a doxa, a opinião falsa, também está entre elas. E fica claro porque muitos dos alunos de Perelman caíram na adoração do reinado da propaganda e relativismo cínico. Não, a luta entre Protágoras e Sócrates ainda continua através dos séculos.

domingo, 3 de abril de 2011

O homem médio e a "parte de homem"

Toda vez que se vê no noticiário ou em livros de história que o povo por uma razão ou outra seja ela econômica ou outra qualquer "se uniu para derrubar o regime" ou "em busca de justiça" eu penso logo que isso é pura propaganda.

Parece, se fomos ouvir a opinião dos "bem pensantes", que a função das ciências sociais é descobrir quais condições irão causar uma revolução e que todas as revoluções podem ser explicadas por essas condições. Eles dizem conhecer o homem médio e por vezes se dizem seus guias.

O texto a seguir de "Aventuras de Huckleberry Finn" foi traduzido por este que vos fala e emite a humilde opinião do mesmo sobre o assunto.

É um discurso do Coronel Sherburn, personagem do livro, que, depois de matar um bebum que tinha se tornado folclórico numa cidadezinha do sul dos EUA antes da guerra é ameaçado de morte pela turba desenfreada de habitantes da mesma.

Ele, perfeitamente calmo do alto de seu telhado fala a multidão de Jõoes-ninguém:
"A idéia de vocês matarem alguém! é divertida. A idéia de vocês pensarem em ter coragem suficiente para linchar um homem! Por que vocês tem coragem para deitar alcatrão quente sobre e cobrir de penas uma mulher pobre e sozinha no mundo que veio parar aqui, acham tem peito o bastante para botar as mãos sobre um homem? Um homem está seguro na mão de dez mil do seu tipo - desde que não o peguem por trás.

Voçês sabiam? Eu sei perfeitamente bem. Nasci e fui criado no sul e já viví no norte; então conheço bem o homem médio. O homem médio é um covarde. No norte podem pisar e cuspir sobre ele que ele vai em casa para orar. No sul um homem sozinho rouba o lote de um trem enquanto todo mundo fica esperando no vagão. Seus jornais o chamam de povo bravo e vocês acham que são os mais corajosos - embora não o sejam mais do que ninguém, sendo a todos igual. Por que seus juízes não enforcam assassinos? Porque tem medo que os amigos do morto o matem pelas costas a noite - e é o que fazem.

Então eles o absolvem sempre; entã um homem tem que matar o delinquente. O erro de vocês é não ter com vocês um homem , mas parte de um - Buck Harkness, aí - e se não fosse ele para incitar vocês, se espalhariam com um sopro.

Não, vocês não queriam vir. O homem médio não quer problema ou perigo. Vocês não querem problema ou perigo. Mas se a parte de um homem, como Buck Harkness, grita 'linchem-o, linchem-o' vocês temem não ir para não descobrir o que são: covardes. E então gritam e levam a parte-de-homem com vocês prometendo grandes coisas para fazer. A coisa mais digna de pena é uma multidão; e é o que um exército é, pois não lutam com a coragem deles mas a emprestada de seu número e dos oficiais. Agora, uma multidão sem um homem à frente isso é abaixo de qualquer pena. O que vocês tem que fazer é abaixar esses paus e ir para casa rastejar em suas tocas. Vão para casa e levem essa parte de homem com vocês"

E eles foram.

Então toda vez que ouço sobre "movimento de massa" lembro da "parte de homem" - seja nos partidos, em ONG's, nos grupos universitários, na ONU etc - e sei que tem algum colega da parte de homem por trás da mídia e nas editoras.