segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Euclides, o guia de intuições

" Deus fez os números inteiros, todos os outros são obras dos homens" Kroneker

1- Linguagem e matemática

O grande mestre moderno da retórica, Chaim Perelman, pode ter caído em exageros às vezes mas sua interpretação do caos moderno é acertadíssima. Quando digo "caos" não o faço para causar frisson nem nada do tipo mas me refiro ao seu significado etimológico que é abismo. Há um abismo entre nossas classes científicas e o resto do povo.

O abismo foi aberto pelos próprios pés da classe científica com o advento da lógica moderna. O lógico pode elaborar como lhe aprouver a linguagem de seu sistema e determinar os signos e as combinações a ser utilizadas. Mesmo os axiomas, que são os princípios não provados de um sistema, graças à axiomática moderna chamada convencionalista, podem ser escolhidos ao gosto do freguês. Tudo isso é aceito desde que se respeitem os requisitos de coerência intrínseca e de que se evitem ambiguidades.

O sonho da ciência moderna é aquele a que se refere José Ingenieros em seu "O homem medíocre", a completa separação entre filósofos e cientistas com uma lingua exata e unívoca vivendo no mundo dos sonhos e os poetas e outros com o monopólio da linguagem figurada. Hoje já sentimos os efeitos da separação e as consequências são devastadoras.

2- Ciência antiga

Mas nem sempre foi assim, embora os cientistas não fossem mais compreendidos pelos homens comuns do que são hoje, eles pelo menos eram entendidos pelos seu pares. O fator especialização nem sempre foi forte como hodiernamente, nenhuma ciência antiga poderia ser aprendida sozinha, elas não eram autônomas. Não se apreendia uma ciência sem conhecer suas ciências mães e pelo menos dar umas espiadinhas nas ciências irmãs. Não posso deixar de culpar a excesiva especialização que causou a desconexão com as outras ciências e a deformização das próprias ciências.

A análise que vamos fazer não tentará reconstruir a imagem das antigas ciências e da metafísica e cosmologia que às embasavam para dar um novo sentido à ciência, antes, faremos o caminho inverso e tomando um ponto de vista moderno examinaremos uma ciência antiga e tentaremos chegar na metafísica que a insuflava vida. Tomaremos o edifício da geometria euclidiana e partindo de um ponto de vista moderno partiremos do particular até chegarmos a Deus. "Do inferno, passando pelo purgatório rumo ao céu", e Granger será nosso guia.

3- Granger e a filosofia do estilo

Expusemos no post anterior as bases da filosofia do estilo de Granger e então diremos poucas palavras a respeito. Granger define estilo como "modalidade de integração do individual num processo concreto que é o trabalho", isto é, quando Euclides faz geometria ele não está só atualizando a ciência que estava em potência em sua cabeça, ele também está atualizando dentro de si a consciência real ou fictícia de todo o kosmos e sua parte nele. Então não há uma geometria euclidiana, cartesiana etc, etc, etc mas uma geometria só, cujo conhecimento pode ser ampliado ou minorado pelo estilo que o geometra tenha. O estilo, ou redundância, é um modo de apresentar os conceitos, de encadeá-los, dar-lhes unidade e; de outro lado determinar a "carga intuitiva dos conceitos". Em suma, saber quando falar e quando calar.

Obviamente não nos referimos a uma espécie de habilidade ou prudência pessoal, mas esse estilo está estritamente relacionado à cosmologia do geômetra. Um sistema matemático deve ser a interface entre o objeto formal que é a actualização da matemática e o sistema dos atos concretos que constituem as relações dos homens entre si e com o mundo. Michel Chasles, na citação do Granger, diz: "O estilo liga-se tão intimamente com o espírito dos métodos que deve caminhar com eles, do mesmo modo que deve, se tomar a dianteira, influenciá-los poderosamente e nos progressos gerais da ciência".

4- Euclides

Uma primeira exigência se impõe a nossa tarefa, a de saber quais das numerosas cosmologias e filosofias teria Euclides e sua obra participado. Pois, com efeito, várias haviam, embora seja clara a origem helênica da obra resta-nos saber qual filosofia será desvelada ao fim de nossa analise. Então, para ganharmos fonte de comparação faremos uma análise histórica paralela à estilística.

Não se sabe muito da vida de Euclides exceto que atingiu seu acúmen em 300 a. C. e de sua resposta ao rei Ptolomeu. O rei teria lhe pedido um caminho mais curto que os Elementos para a geometria ao que Euclides respondeu: "não há caminho real para a geometria". Ambos os fatos medeiam entre os primeiros discípulos de Platão e sendo Atenas o mais importante centro de matemática até então, não é errado imaginar que Euclides teria recebido dos primeiros discipulos de Platão seu treinamento.

Mas não precisamos imaginar muito pois no Catálogo dos geômetras de Proclo está escrito: "E não muito mais jovem que esses é Euclides, o que reuniu os Elementos, tendo também, por um lado, arranjado muitas coisas de Eudoxo, e, por outro, aperfeiçoado muitas de Teeteto(sim, o do diálogo), e ainda tendo conduzido as coisas demonstradas frouxamente pelos predecessores a demonstrações irrefutáveis". Vale dizer que tanto Eudoxo quanto Teeteto fizeram parte da Academia de Platão.



5- Os problemas

Tomando posse desse dado histórico e também da continuação da escola pitagórica na platônica, podemos nos perguntar como foi solucionado o "terror" dos pitagóricos? Tendo Pitágoras dito ser o Um o princípio e a medida de tudo e também demonstrado seu teorema ocorreu-lhe que tomando um triângulo de lados iguais sua hipotenusa não é medida pelo um, ou seja, é um número racional. Pitágoras descobriu os números racionais e acabou com a própria filosofia. Mas será isso mesmo ou como dirá nosso Mário, "o pitagorismo é a corrente filosófica mais difamada"? De qualquer forma se ele incorre nesse erro também o faz Euclides quando diz que número é "multidão composta de unidade".

Mas não é só isso. Há de se tentar ajustar o sistema de números à noção de ser geométrico linear ou superficial. O que não é problema de menos, pois, embora o problema tenha sido resolvido não parecemos(por nós digo os não matemáticos) ter compreendido. Há uma aritmetização da geometria que dá a matemática um caráter altamente formal e lógico. Antes geômetra era sinônimo de régua esquadro e compasso enquanto hoje só fazemos as contas e as figuras só servem para pretexto do exercício aritmético ou algébrico. É característica do homem massa não ter idéia do esforço feito para alcançar um bem, diria Ortega y Gasset.

Enfim, o que se postula quando se diz terem os objetos uma grandeza?

6- O homem é seu estilo

Falando do estilo exterior não creio existir algum matemático que tenha desbancado nosso homem. Ele é pai do método axiomático(na verdade quem inventou foi Aristóteles mas ocorre que ele nunca o usou) onde partindo de axiomas e noções comuns pode se construir uma série concatenda de proposições. Além disso, há uma espécie de ritual da demonstração que sempre é cumprido onde cada ciclo de demonstração dá origem a inferências que dão origem a novos ciclos.

Começa com a proposição que indica o que é dado no problema e o que é procurado para depois os dados serem designados por simbolos. Por conseguinte se diz o que falta aos dados para descobrir o que se procura. A demonstração estabelece as inferências que decorrem da conclusão e que serão dados para outras proposições e o ciclo é fechado iniciando com um novo problema.

Já falamos do método axiomático de Euclides mas é interessante notar que essa estrutura lógica é preenchida com conteúdo dialético. As figuras geométricas ainda não são totalmente abstraídas em razão de uma aritmética e são tratadas quase como objetos sensíveis. Muitas das proposições tem como fim a construção de figuras, elas são também sobrepostas, transferíveis e por assim dizer tangíveis. A semelhança com o modo dialético Socrático é conspícua e pode-se mesmo encontrar nos diálogos platônicos vários exemplos de demonstrações geométricas a ponto de dizer que as matemáticas e medicina são guias à filosofia. Tanto na dialética platônica quanto na geometria o guia do discurso está disposto a fazer seu interlocutor "ver" a verdade, é a dialética apofântica no dizer de Mário Ferreira. Granger que me parece ter mais bases no kantismo e uma base não muito boa na filosofia clássica tenta exprimir isso ao dizer acertadamente que "a maneira euclidiana consiste em dominar a intuição, em lhe explicitar as evidências, em dar um estatuto às mesmas". Euclides é o guia das intuições.

A filosofia clássica pode se fazer sentir em quase todos os níveis do edifício de nosso matemático, desde a polêmica definição de ponto(sobre isso recomendo a imbatível apostila do Olavo de Carvalho, "Sobre o simbolismo geométrico") até seu ápice conceitual na teoria das medidas.

7- Álgebra geométrica

O que causa espanto aos olhos do leitor moderno é que se permita, na "mais exata das ciências", encontrar algo como a noção comum IV: "coisas(figuras) que coincidem são iguais". Isto é, transportando as figuras de mesma forma e sobrepondo-as pode se postular a igualdade das mesmas. Claro que nisso há um forte toque de intuição geométrica, o que é bom, mas a equivalência entre congruência e igualdade estaria restringindo a extensão desse último que só seria predicado entre figuras iguais.

O percalço somente é superado na proposição 35 do livro I onde, sem nenhuma indicação explícita do autor(eu mesmo fiz o bendito exercício umas três vezes até perceber), o conceito de igualdade geométrica tem sua zona de predicação aumentada. Duas grandezas podem ser iguais independente de sua morfologia.

O teorema 35 diz que: "parelelogramos que têm a mesma base e estão compreendidos entre as mesma paralelas são iguais entre si". Euclides faz coincidir dois triângulos, ABE e DCF, por sobreposição e suprime a mesma superfície BGC deles e diz serem os dois paralelogramos iguais, sendo que, agora tacitamente, em sentido abstrato.



É importante notar que todos os procedimentos aparecem como transformação de figuras e manipulação de áreas. As áreas das superfícies não são construidas como composição de seus comprimentos como fazemos hoje. Ao enunciar o teorema de pitágoras dizemos ser o quadrado da hipotenusa igual a soma dos quadrados dos catetos. Euclides enunciaria serem a soma de quadrados construidos sobre as bases de um triângulo retângulo iguais ao quadrado construído sobre a hipotenusa. Sim, é a mesma coisa mas é isso que quero dizer quando falo de estilo, o Euclides tinha todas as bases para proceder da maneira que fazemos hoje como podemos ver nos seus livros aritméticos mas ele não poderia fazer isso sem uma teoria da medida. Assim no livro dois Euclides cria uma álgebra geométrica que causa espanto dado seu caráter redundante com as regras mais elementares do cálculo. As figuras aqui se tornam uma espécie de ferramenta para o cálculo o que dá uma impressão de que o procedimento é de todo fútil. Mas isso só demonstra o caráter insuficientemente abstrato da noção de grandeza usada até então. Parece que Euclides não quer misturar seus escritos aritméticos com sua algebra geométrica e deixar totalmente estanque a distinção aristotélica entre quantidade contínua e contígua.




8- Teoria da Medida

Estamos em pleno processo de abstração e as grandezas antes manejáveis e quase físicas são consideradas como instrumento de cálculo, sendo que os números não apareciam e Euclides parece se recusar a usá-los. Há ainda o problema dos números racionais que não foi solucionado.

No livro VII, porém, a coisa muda com a definição de grandeza: "uma grandeza é parte alíquota de uma outra grandeza, se a menor mede a maior, isto é, se ela está contida um NÚMERO EXATO de vezes". E Euclides evita qualquer ambiguidade pois ele opõe parte alíquota à "partes", já no plural para indicar que este último não mede a grandeza de modo exato. Só é uma grandeza se for proporcional(logos) à outra, se lhe for um múltiplo. O próprio adjetivo múltiplo remete à mesma idéia de iteração de uma grandeza determinado número de vezes. Euclides reduz a intuição aos limites de um esquema operatório que é a de múltiplo de uma grandeza, que combina esta última com o número inteiro. Isso se dá em três tempos:

i) abstração qualitativa - trata de encontrar um critério, uma pedra de medida e lhe denominar como o um;
ii) condição de possibilidade(necessária e suficiente) da existência de uma relação: quando encontrar um múltiplo da outra que a ultrapasse. Aqui podemos ter duas situações, uma positiva e outra negativa, pois pode-se ou não haver comensurabilidade. Como no caso do infinito em que não há comensurabilidade alguma;
iii) igualdade das relações - a relação entre os duas grandezas não-inteiras tiver igual relação com as grandezas inteiras, isto é, igualdade de relações que se pode expressar assim: sejam dois pares de grandeza; a, b e c, d. As relações a/b e c/d são iguais se, quaisquer que sejam os inteiros p e q, p x a é superior, igual, ou menor que p x b se e somente se p x c é superior, igual ou menor que p x d.

Para Euclides o logos de duas grandezas é um número inteiro. Um número inteiro é a medida de uma grandeza em relação a uma outra grandeza tomada como unidade. Como salientou Granger: "É seguindo a insistência ou não sobre as propriedades intrínsecas da grandeza, unidade escolhida, que a relação será assimilada ao número(racional) medindo uma grandeza será identificada ao número(inteiro) de unidades que mede."

9- Às portas da Álgebra

Mas a unificação não vale somente para os objetos geométricos como vimos mas também para o objeto da aritmética. Para notar isso basta olharmos a definição de número dada por Euclides: uma multiplicidade composta de unidades. É de conhecimento geral a algebra ter sido descoberta pelos Árabes na Pérsia. Mas não se pode negar que Euclides deu todas as condições para a descoberta, e seus pressupostos podem ser todos encontrados nos Elementos. Na verdade quando a academia platônica teve seu fim por meio de decreto é para a Pérsia que foram os remanescentes.

10- Deus

Granger escreve: "a unidade é tomada aqui em sua indeterminação de medida minimal o número da aritmética é o resultado da operação de repetição do número intuitivo que é base da noção de medida. Percebe-se a razão de Euclides não sinta necessidade de precisar que o número é uma grandeza; ele é a grandeza por excelência". Aqui de fato está a raiz do aspecto educativo da geometria a ponto de Platão por na entrada de sua academia o "Não entre quem não for geômetra". Percebemos o dano irreversível causado ao neófito pelo contato direto com os números, pois ele é privado de experimentar as sucessivas fases de abstração para chegar ao logos das figuras. Podemos entender a crítica platônica à Protagoras por este não ter treinamento em geometria, sem isso é muito fácil cair em banalidades do tipo o homem é a medida. Medida, sendo termo propriamente matemático, foi posteriormente usada como idéia tendo sido o processo matemático para achar o logos aplicado a coisas da física e, por sua vez a idéia foi unificada pelo mesmo processo no descobrimento do Uno, Deus. A geometria nos ajuda a perceber que Deus é a medida de todas as coisas.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Filosofia do Estilo

(este post é uma leitura do Filosofia da arte de Guilles Gaston Granger)

Nas ciências, na organização da linguagem e nas atividades ditas superiores as relações de forma e conteúdo se apresentam de tal modo que um observador desatento poderia supor a existência de "formas" sem "matérias", sem um conteúdo "significativo" para a sociedade. Assim, as atividades superiores ficaram estigmatizadas como um ócio, donde aliás, deriva a expressão escola. A esfera do útil foi totalmente separada do intelectual e este tinha uma atividade que nada produzia na sociedade.

Propomos não uma completa separação mas uma bipolaridade onde o conteúdo pragmático é átono para os sábios e preponderante nas outras classes e o conteúdo abstrato é preponderante para os sábios e átono para as outras classes.

Nossa proposta só se concretizará por meio do trabalho, na definição de Granger. O trabalho é "a atividade considerada em seu contexto complexo e em particular com as condições sociais que dão significação no mundo efetivamente vivido". Então a atividade do pescador pode ser considerada pelo prisma da arte da pesca e pelo prisma da consciência humana. Para o pescador, seu trabalho é não só o de atualizar a arte da pesca mas a atualização de um fato no interior de uma totalidade, ilusória ou autêntica mas em todo caso vivida pela consciência. Estes dois aspectos constituem dois movimentos de determinação prática do individual, o momento concreto vivido. Trabalho em nossa definição não é só a arte que lhe dá o nome mas o modo que está encaixado no quadro social mais amplo.

Fica claro que na distribuição das partes cabe aos sábios "produzirem" o conteúdo de cada um dos trabalhos, pois a arte da pesca é inventada e aperfeiçoada com o costume mas a consciência do que este faz em contexto geral é dado pelos sábios. Como a arte produtiva é um universal que pode ser reproduzida e atualizada por vários indivíduos a consciência da função no Todo tem caráter individualizador e a tarefa do intelectual é a individuação, a de produzir essa consciência. Mas como diabos isso é possível? Teremos antes de tudo de entender a "arte dos sábios".

Surge então uma aparente aporia. Se a arte da pesca ou da caça tem como caráter individualizador o produto da tal da "arte dos sábios", quem daria o caráter individualizador desta última? Esse parece ser o erro do Aristóteles em sua política, o de dizer que os spoudaios seriam a forma e o povo a matéria. A solução estaria talvez na introdução da concepção platônica de que as sociedades começam com a inoculação da idéia de Bem e que este seria o caráter individualizador, ou material, e a sociedade a forma. Sendo que cada sociedade tem uma forma diferente e nenhuma é suficiente para armazenar dentro de si o Bem. No entanto o processo todo passa pela intermediação dos sacerdotes ou reis que conseguiam organizar a alma para contemplação do Bem e passar essa ordem para a sociedade sendo por isso, em quase todas as culturas, os filhos de Deus.

A atividade superior não existe como se flutuasse no ar. Antes, é uma redução do que é experimentado como um individual, isto é, como momento concreto vivido em tal situação. A vida intelectual orienta-se para a recuperação desse individual vivido. Como toda civilização até agora conhecida tem como base uma criação estética vale a pena nos voltarmos para ela. Uma obra de arte pode ser vista como um esquema repetível de situações, como por exemplo, no Don quixote em que um homem de gênio ficou louco e transfere sua loucura para sociedade ou n'O Processo de Kafka onde o sujeito é punido por algo que não sabe que acontecem. Mas a obra também pode ser vista como a matriz de intelecções de que Aristóteles falava, ou seja, pela profunda impressão que ela causa. No dizer de Grange, "a arte tende a revelar não somente a universalidade sem conceitos, mas também uma individualidade conceituada". Embora a criação estética seja um caso particular, toda atividade superior é uma tentativa humana para superar a impossibilidade de uma apreensão teórica do individual.

Surge então a necessidade de uma filosofia da arte ou filosofia do estilo, não só nas chamadas belas artes mas arte em seu sentido mais amplo. Granger define assim sua filosofia do estilo: "modalidade de integração do individual num processo concreto que é trabalho e que se apresenta necessariamente em todas as formas de prática". O que é estilo? Há a mensagem que é a experiência a ser comunicada, e a redundância, ou sobredeterminações. Por exemplo o locutor que tem uma mensagem a ser transmitida, como um texto, mas pode fazê-la de diversos modos e esses podem reforçar a intenção do texto ou torná-la outra totalmente diferente. Há estilo quando se "sabe usar o simbolismo, não somente quanto ao textura mas também quanto a sua relação com uma experiência que o envolve", diz-nos Granger.

O homem é co-criador de Deus e sua obra magna é a sociedade, sendo assim a proposta da filosofia do estilo é da mais alta importância. A consciência da hierarquia Bem - sábio - homem e de que todos eles são em algum nível criadores é o primeiro passo para um novo patamar de conhecimeto. Todo homem é um criador, ele é sempre artista.

sábado, 13 de agosto de 2011

Nomen est omen

Um vício nascido na distante idade média virou comum nos debates públicos atuais, me refiro ao embate fé e razão. É claro que isso é prejudicial para os dois lados. Os religiosos ficam com a marca de lunáticos que sofreram lavagem cerebral e os "servos da razão" balbuciam como criança quando lhes perguntam algo que saia do campo materialista. Alguns religiosos da idade média supunham que a razão não pode ser um meio válido para compreender a realidade porque muitas vezes ela não condizia com a interpretação deles da escrituras sagradas. Posteriormente não só clérigos mas também cientistas negaram espiritualidade à razão e esta teve seu status minorado a uma receita de bolo para laboratório.

Mas tomemos em consideração alguns fatos antes de tentar resolver essa aporia. Não existe mística sem religião e observando as sociedades a mística de cada religião começavam em um certo estágio determinado de cosmovisão. Começa-se tal qual apontei num post anterior em que o homem não sabia diferenciar muito bem o kosmos e o eu, prova disso teremos ao olhar as crianças muito pequenas em que a palavra "eu" é uma das últimas a ser de fato compreendida. Num segundo estágio o homem capta essa diferença e começa a entender do bem e do mal, nascem as leis. Paulo diz que sem a lei estaríamos sem o conhecimento do mal. Por fim a lei, que foi composta para modelar a sociedade, começa de fato a mostrar o seu espírito, ela é a norma, a régua que por fim ficou guardada na alma do homem. Como diz Agostinho, "difere estar dentro da lei e sob a lei", os místicos não estão mais coagidos a uma obediência exteriorizada da lei mas a lei está dentro deles. Há um descobrimento da alma.

Tendo isso em mente, tomemos os chamados povos politeístas sendo que, nos obscurantíssimos tempos primevos, quando outra religião vigorava: a religião familiar. Cada família tinha seu culto que era representado pelo fogo familiar que só poderia ser apagado quando toda a família perecesse. Os deuses desse culto eram os próprios antepassados, são os deuses lares ou penates em Roma ou daimonion na Grécia antiga. Eles eram enterrados na fazenda da família e quando um membro morria ele próprio se tornava deus e velava por sua famíla. Essa religião é a base ainda de muitos de nossos costumes e de nosso direito incluindo casamento, herança e até propriedade privada. Prova disso é uma antiga anedota contada na qual em um momento posterior da história Grega Zeus quer montar um templo para si em cima de um morro, contudo ele é demovido dessa idéia quando descobre que ali estão enterrados os daimonion de uma família. Encontraremos exemplo mais próximo se considerarmos que o judaísmo só nasceu propriamente com Moisés e é uma religião para um povo, antes disso era uma religião para uma família, a de Abraão e Elohim era seu Deus familiar. Ademais, muitos arqueólogos nos asseguram terem sido Abraão, Isaque e Jacó considerados como deuses penates.

A Grécia sofreu o processo da mística acima citado e bastará ler sua literatura de modo cronológico para perceber isso. Há na Grécia um processo de interiorização progressiva da lei e da descoberta da alma que tem seu ápice na filosofia e na ciência. Elas são a mística da religião pagã que sobreviveu a bancarrota desta. Mas os detratores da razão não vêem isso, acham que nasceu por geração espontânea e se maravilham ao notar que só na Grécia isso surgiu. Agora sabemos que até na mais simples fórmula lógica há um profundo substrato espiritual.

Por exemplo, na Grécia e em Roma as pessoas tinham três nomes o prenomen, nomen e agnomen. O agnomen era o nome do pai, o prenomen era o nome dado a crinça e o nomen era o nome da família ou gens. Percebam que o nome verdadeiro era o nomen, o nome de sua gens e por isso a fórmula romana nomen est omen(o nome é o presságio), pois os deuses lares cuidavam do destino de sua gens. Mas o que é definição? Não são também três nomes, ou seja, a espécie particular, o gênero e a diferença específica? Definir uma coisa é dizer de que família ela pertence e qual o seu pai e isso para qualquer coisa. Definir é dizer o nome completo de uma coisa. Agora, quando se fala em definição os que negam a espiritualidade da razão só percebem uma forma lógica vazia.

Muitos acharam que por ter bases na cultura grega a filosofia deveria ter morrido junto com ela. Mas o fato é que não morreu e aí está a prova de sua veracidade e universalidade como hoje podemos ver filósofos pelo menos no cristianismo, judaísmo e islamismo. Pode-se também dizer que o embate cristianismo e filosofia continua mas, isso não é correto. Se olharmos para gênesis 2,19 não veremos o próprio Deus mandando Adão dar nomes a todas as coisas?

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Validade da biologia e o Deus de Darwin

A história da teoria da evolução desde seu ápice Darwiniano e apesar da atenção que recebe de seus admiradores e críticos não me parece ter passado por uma séria análise dialética. Pode-se mesmo dizer que a história da teoria da evolução e de um modo mais geral a questão da origem das espécies é uma luta de gigantes. São dois gigantes cegos, a nessecidade e o espontâneo.

Principio basilar da teoria da evolução é a seleção natural onde a necessidade aperfeiçoa os seres e os que não se adaptassem ao meio não sobreviveriam. Certo, se assim se explica como as espécies mudam não se explica como elas nascem. Antes mesmo de Darwin se explicou isso pela famosa tese "derivada" de Aristóteles, a geração espontânea. Nessa tese os seres, em parte, surgem a partir do "princípio ativo" em que o fator espontâneo é enfatizado e em parte por reprodução. Posteriormente se refuta essa tese e se afirma que o mecanismo de transformação das espécies era todinho a partir da adaptação das espécies ao meio e houve somente no início algo como a geração espontânea. Variações das duas teses abundam e pode-se sem erro dizer que a história da tese evolucionária pode ser contada como uma escala em que há uma variação destes dois termos sem nenhum conseguir suprimir totalmente o outro.

Agora, a necessidade em si não pode criar nada, é antes condição para que as coisas se criem. A condição é necessária não pode se confundir com a suficiente. Nenhum cientista disse que a vida teve necessariamente que surgir, ou que em um dado momento que uma espécie teve que evoluir sem mais. Antes dizem que as espécies mudam por tal ou qual variação no meio ambiente que fez uma espécie mudar ou mesmo surgirem. Para entendermos necessidade um exemplo: para um segmento de reta ser tal ele tem que, quando fizer parte de um triângulo, fazer com que a soma de seus ângulos internos seja 180 e a soma das dos quadrados 360. Isso está na definição dele? não. Agora, se isso não for verdadeiro uma reta não é uma reta ou seja é impossível exprimir todo o conjunto de necessidades mesmo de uma formiga e mesmo que para isso se gaste toda sua vida. Isso é o círculo de latência segundo Olavo de Carvalho, o conjunto de necessidades e relações de um objeto, isso é o que aristóteles chamava de necessidade.

Não se pode negar que os adeptos da geração espontânea tem em sua tese um trunfo maior do que eles mesmos crêem. Pois a evolução é geração espontânea. Ou a mudança climática que fez o pássaro mudar de bico ocorreu para que isso acontecesse? Ou o planeta primitivo teve que se adaptar para a criação da primeira ameba? Eles assumem que tudo isso ocorreu espontâneamente e que as espécies tiveram que se adaptar a isso. Agora é humanamente impossível ter em mente toda possível causa que determine uma mutação, pode ser em nível micro atômico, celular etc. E por isso tantas alterações e tantas contradições, mas isso advém da aceitação do modelo científico desde Galileu o que transforma a ciência de um conhecimento apodítico a meras opiniões.

O que é o modelo científico? pois bem, no modelo se concebe um tipo de universo fechado em que o cientista acha que pode controlar tudo. É O "plano inclinado sem atrito" ou algo no "completo vácuo". Mas ocorre que o cientista acha que controla tudo mas sempre há a chance de ele não ter todas as variáveis em mente como ocorreu no caso do Newton. Muito mais coisa entrava no modelo dele do que ele sabia como bem provou o Einstein. Mas a maior prova disso os evolucionistas dão: "Ah não! mas o Darwin não sabia da genética" ou "agora o mais razoável é a geração espontânea". Quer dizer, a ciência moderna e não somente a biologia não são explicações ou conhecimento, são meras opiniões sobre o assunto. Aqui já se vê o problema da teoria da evolução. Não é que é falsa é que não explica nada, não é ciência. Evolução é enrolação pomposa.

Explicar uma coisa é dizer de que propiedade todas as outras propriedades do ente dependem e é claro que aqui me refiro a causa mais próxima. A noção de explicação ou causa pode ser entendida em estrutura triádica que coincide com os três termos de um silogismo. O explanandum é a conclusão: a presença da propriedade A no sujeito C. Exemplifico: Todo homem é mortal; Sócrates é mortal; logo Sócrates é homem. A mortalidade de Sócrates é explicada por sua humanidade. Assim a biologia antiga e presente SEMPRE explicou assim o homem e suas caracteristicas como por exemplo a semelhança de seus ossos com as do chimpanzé é por causa de que os dois são primatas. A biologia se baseia nos sentidos? Sim. É empirica? sim. E no entanto é apodítica. Agora o sujeitinho vem explicar a semelhança do homem e chimpanzé por um ancestral comum é abaixar o nível.

Toda ciência está em um quadro metafísico determinado seja ele platônico, aristotélico, kantiano, Comteano e assim vai. Ora, quais os pressupostos metafísicos da teoria da evolução? não é uma pergunta apropriada? Vamos aplicar o método do paragrafo anterior aqui, Queremos saber a propriedade de que dependem as outras propriedades da girafa. Porque a girafa tem um longo pescoço? porque é girafa? Não. Porque em um dado momento histórico do qual "Sobrevivendo apenas os portadores da mutação que os permitiu sobreviver à adversidade natural, serão passados adiante os genes desta mutação, portanto, as gerações seguintes a carregarão." Isso para Darwin é explicar uma girafa. Quer dizer a evolução é uma evolução das propriedades. Um dia nascerá um "homo superus" que não morrera e se perguntarem a causa da sua imortalidade responderão que ele era homo sapiens e por tal razão ele virou "homo superus". Ora, as propriedades não sobrevivem sem um subjacente tal como sua cor não existiria sem seu corpo. Então Darwin supôs um subjacente que é a natureza. É SOMENTE sobre essa base metafísica que se pode entender a evoluçao como uma explicação. E por isso se percebe que mesmo após a física provar a invalidade do modelo científico os biólogos ainda acreditam na total veracidade do evolucionismo. Eles pensam isso por ter uma base metafísica diversa da dos físicos. Por fim, ouçamos da voz do próprio Darwin:

"Man can act only on external and visible characters: nature cares nothing for appearances, except in so far as they may be useful to any being. She can act on every internal organ, on every shade of constitutional difference, on the whole machinery of life. Man selects only for his own good; Nature only for that of the being which she tends. . . . It may be said that natural selection is daily and hourly scrutinizing, throughout the world, every variation, even the slightest; rejecting that which is bad, preserving and adding up all that is good; silently and insensibly working whenever and wherever opportunity offers, as the improvements of each organic being in relation to its organic and inorganic conditions of life."
Charles Darwin, On the Origin of Species (London: Murray, 1859), pp. 83-84

Mas então de que modo a biologia pode se validar? De modo algum se pode dispensar a adaptação dos seres físicos. Para que se seja ser é necessário passar pelo crivo Platônico da polaridade do Ser e isso vale para todo o ser, inclusive os físicos. O ser é produto de dois princípios e é uma síntese de unidade e multiplicidade e de determinado e indeterminado. Assim nada é algo se não é "um" algo, mas isso só acontece se ele participa da unidade e de seu oposto. Eu sou homem e a negação do não-homem, me defino pelo que sou e pelo oposto de tudo que não sou. O que é adaptação? é uma relação adequada entre os elementos de um sistema complexo de um lado, e o meio ambiente (o outro) do outro. Algo só é se suas partes constituintes permaneçam exata e estreitamente ligadas entre si e com as condições exteriores que é exatamente a idéia de justiça para Platão. Sendo que ele não aplicou isso para os seres físicos tarefa que coube ao magnânimo Aristóteles.

Mas se a evolução nos desaponta como ciência ela e a teoria do big bang são como mitos fundadores de nossa era. Não posso aqui dar uma análise cultural do caso mas a coisa se esclarece se percebemos que Darwin durante a famosíssima viagem no Beagle estava completamente absorto na leitura de Humboldt e de poetas do romantismo alemão e como para estes vigorava a máxima de Spinoza "Deus sive natura" - Deus é o mesmo que a natureza - é natural que Darwin tivesse os mesmos pensamentos. É como se cada ser, cada espécie e entidade natural fosse órgão de um só corpo e a evolução é como diversas mudanças naturais dentro da mesma idéia. No fim, para Darwin, a mudança climática ocorreu para que o bico do passarinho mudasse e as condições climáticas da terra primitiva ocorreram para a criação da vida.

Agora, a ciência e o mito esbarram em um ponto, mesmo que se trabalhasse em um modelo científico absolutamente correto a espontaneidade teria de ser explicada pois se algo ocorreu ao acaso é porque havia uma intenção original que deu origem espontaneamente a algo e também havia a condição material da natureza. Aqui descobrimos a necessidade da existência do fator escolha que em algum momento deveria girar as rodas da máquina da espontaneidade e da necessidade, uma Inteligência, uma alma do mundo como quiserem chamar. Agora, é claro que a natureza não é Deus pois, se ela é como um só ente que tende à um fim é porque ela teve um começo sendo em algum momento criada e direcionada ao fim. Mas de qualquer modo aí está o Deus de Darwin. Não tem jeito, se o querem livrar do ateísmo ele cai na idolatria da natureza.

Nota: Agradeço ao Rodrigo, este texto não existiria sem ele.