terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Análise do Tema da Analogia - Mário Ferreira dos Santos

Os que defendem a analogia no ser, alegam a seu favor que o ser finito é tão dissemelhante do infinito, que entre o ser do homem e do de Deus, há apenas uma analogia de proporção.
Não é de admirar que se afirme haver uma incomensu-rabilidade entre nós e Deus, pois há incomensurabilidade até entre o que se dá aqui, como entre o diâmetro e a circunferência, e nas proporções dos números de ouro dos pita-góricos.
O infinito não tem medida; o infinito é medida qualitativa do finito.
Essas medidas não são unívocas, mas análogas (de participação), afirmam os que defendem a analogia do ser.
Na analogia, há a participação do analogado pelos ana-logantes, e tal participação indicia a identificação mais remota ou próxima, segundo o nosso esquema.
Na ordem noética, a participação chama-se analogia; na ordem ontológica, a analogia chama-se participação.
Os esquemas noéticos, que, por abstracção, construímos, participam dos esquemas concretos dos factos, que os captamos apenas como quididades noéticas, reduzidas a esquemas eidético-noéticos. Nesta maçã, por sua vez, o seu esquema concreto participa do esquema essencial da maçã, pois ela não esgota as possibilidades desta, mas apenas um sector dessas possibilidades, da mesma forma que esses três livros não esgotam, enquanto três, no esquema concreto de três, aqui e agora, hic et mine, as possibilidades concretas do esquema essencial três, que é um pensamento do ser, e que pode, concretamente, surgir em três cadeiras, três mesas, etc. Portanto, o esquema essencial (o arithmós, no sentido pitagórico, já por nós estudado em "Teoria do Conhecimento") é do ser, subsistente no ser, e um poder do ser, cuja existen-cialização (para empregarmos uma expressão bem avice-niana) se faz por participação. Esses livros são três, o três há neles, concretamente, não está neles, porque o arithmós três, neles concrecionado, é participante de três como arithmós essencial (esquema essencial).
Portanto, há nesses três livros uma analogia com três, e uma analogia com três mesas, três cadeiras. E são eles análogos porque participam do mesmo esquema três; por isso, na ordem ontológica, a analogia chama-se participação.
Ora, todo o ente finito participa do Ser, esse parte ca-perem, de São Tomás, pois o Ser Supremo inclui todas as perfeições em sua mais elevada e acabada realização; ou seja, segundo suas completas possibilidades, pois tudo quanto há, há no Ser, e como nada se dá fora dele, éle contém todas, as perfeições, de que uma perfeição parcial, este ente finito, hic et mine, é apenas participante. Por isso, entre o ser finito, ou melhor entre o ser criado e o Ser Supremo, criador, há apenas uma analogia de proporção. Cada ente reflecte parte dessa perfeição, na sua perfeição, no seu acto, pois, como sabemos, na escolástica, o acto é a perfeição da potência; o que é acto é a actualização de uma aptidão, que, enquanto tal, é imperfeita.
Agora, se considerarmos o conteúdo conceituai, veremos que há nele uma analogia, quando aplicada a vários entes. Se considero a cadeira um "móvel composto de assento, encosto e pernas, com a função de permitir que uma pessoa nela se assente", entre esta cadeira e aquela, o conceito, que nelas é comum, porque nelas considera apenas aquelas notas que têm em comum, é unívoco. Ou em outras palavras, há univocidade conceituai entre essas duas cadeiras. Nelas, desprezamos tudo o mais que as pode diferenciar, como o ser esta de madeira, aquela de metal, etc. Há, deste modo, uma certa identidade entre esses objectos, identidade parcial, pois desconsidero o que nelas é heterogéneo.
Mas, o conceito de ser apresenta uma particularidade que o diferencia dos outros. Tudo quanto é heterogéneo é ainda ser, e não apenas o que há de homogéneo, o que não se verificava no exemplo anterior. Não há, aí, portanto, identidade no que expressa, porque se considerarmos que ser apenas expressa uma parte dos objectos (isto é, se admitimos que o conceito de ser tem uma representação parcial), as notas heterogéneas seriam extrínsecas ao ser, e neste caso seriam idênticas ao não-ser, o que nos colocaria num verdadeiro contra-senso.
Portanto, concluem os tomistas, o conceito de ser é ape-nos proporcional entre os seres, não é unívoco, mas apenas análogo.
Mostram-nos os tomistas que todo conceito unívoco pode ser expresso por um termo abstracto e por um termo concreto. O termo abstracto expressa uma abstracção "formal", por ex.: dureza. Expressa êle certa forma ou qualidade, isolada do seu sujeito (cxprimit subjectum sed non to-tum). Mas, quando digo que esta casa é verde, considero-a dotada da côr verde. Indica o sujeito integralmente (a casa), mas qualifica-o por uma de suas determinações (ex-prímit subjectum totum, sed non totaliter = expressa todo o objecto, não porém totalmente). É o termo concreto. O termo concreto expressa o próprio sujeito afectado de uma determinação particular. É o resultado de uma abstracção "total", isto é, efectuada sobre o todo. Quando digo "negro", refiro-me a um certo sujeito dotado da "negrura".
Posso predicar o termo concreto do sujeito, mas o termo abstracto não pode ser predicado do sujeito. Posso dizer que este homem é negro, não posso dizer porém que êle é negrura, pois não posso considerar a parte como idêntica ao todo.
O termo ser empregado expressa sempre o sujeito totalmente e sob todos os aspectos e relações (exprimit sub-jectu totum et totaliter — expressa todo e totalmente o sujeito). O ser, por abstracto que se queira tornar, não exclui, não separa, não isola um aspecto parcial do sujeito; desta forma, no ser, a abstracção total e a abstracção formal se equivalem. Se digo que este livro existe ou que este livro é sua existência, é indiferente, porque existe e existência são equivalentes.
Fazem deste modo os tomistas questão de salientar que o ser não é nunca um aspecto, um elemento, uma determinação dissociável, mesmo quando considerado logicamente, dos outros, pois quaisquer das outras determinações são intrínseca e formalmente o ser.
Esse o aspecto misterioso do real, unidade na diversidade e diversidade na unidade. Quando conceptualizamos a ideia de ser, temos uma ideia, mas confusa (de confundere, de fundir com, misturada), por isso analógica do ser, que na sua essência nos escapa; isto é, temos um sabor quiditativo do ser não quidditative, exaustivo até à sua essência, o que fronèticamente se o tivéssemos, por fusão com êle, nos poria em estado de beatitude, o que pelos tomistas, nos é negado nesta vida" ("Ontologia e Cosmologia" págs. 75-85).
Um mais aprofundado estudo da gnosiologia e da noolo-gia, do funcionar do nosso conhecimento e da mente humana, mostra-nos que há validez nos esquemas noéticos que construímos, pois, desde que sejam rigorosamente estructu-rados, correspondem a fundamentos reais.
Se prestar-se atenção a conceituação lógica, já escorreita da capa experimental, purificando-a do que é da nossa pragmática, para considerar o conceito na sua estructura ei-dético-noética, formal portanto, ver-se-á que os conceitos se entrosam em nexos rigorosos, que não permitem entre eles, enquanto tais,outra distinção que a meramente real-formal, e não real-física. O mesmo nexo unitivo que, ontologicamente, sentimos dar-se no ser que, em sua essência, é um, e não múltiplo, revela-se aqui, analogando as formalidades uma às outras, como os seres se analogam existencialmente uns aos outros.
Entre aquela estrela e nós, há alguma coisa em comum, sentia-o Goethe, porque, do contrário, como poderíamos conhecê-la de qualquer modo? Entre os seres há sempre uma relação de semelhança e de diferença, porque do contrário teríamos de aceitar um abismo entre os seres, o que nos colocaria, de chofre, nas aporias do pluralismo.
O diferente absoluto, que estabelecemos no estudo da analogia, refere-se à haecceitas, ao arithmós individual na linguagem pitagórica, à unicidade da singularidade que, como tal, não se confunde com outra, pois é apenas ela mesma, numericamente distinta, como também o é ônticamente distinta. Mas, esse absoluto não é algo que se separa fisicamente do ser, pois o que individualiza, singulariza, e dá unicidade ao ente não é um ser fora do ser, mas no ser. É apenas o arithmós, o conjunto, o arithmós plethos de uma unidade, que é o arithmós tonos, o arithmós tensão, que o distingue de tudo o mais. O que um homem, como existente, é, em sua unicidade, é o arithmós, que é, que é só êle (singularidade), que constitui a sua forma individual. Mas a com-ponência desse ser é do ser.
Assim como a matemática nos mostra que são possíveis combinações potencialmente infinitas, o arithmós individual é próprio de cada um, sem necessidade de afirmar uma identidade com outro quanto ao conjunto (plethós) de uma unidade, que se identifica no ser, por ser apenas ser (1). Consequentemente, entre todas as coisas há uma analogia mais próxima ou mais remota, pois o indivíduo, quando se unívoca na espécie e esta no género, conserva a sua diferença individual ou específica.
A participação por hierarquia formal nos permite compreender desse modo a via symbolica, o itinerarium mysti-cum que podemos seguir, pois, partindo das qíiididades que compõem o arithmós plethós de um ser (há aqui um arithmós tomado no conjunto das qíiididades), podemos ver que Considerm-se, ainda, como virtudes anexas da prudência as seguintes: a eubulia, o hábito" recto de consultar; a synesis, o hábito recto de julgar segundo regras comuns; a gnome, o hábito recto de julgar segundo os princípios superiores, sobretudo jurídicos.

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